“Batem à Porta” (2023)

Quando Shyamalan estava no auge da sua criatividade e desenvolvimento como cineasta (eu diria que de A Vila a Fim dos Tempos), o que mais eu ouvia/lia a respeito dos seus filmes é que eles exacerbavam uma estagnação do diretor, que ele estaria perdendo a mão, que estaria desaprendendo a fazer os bons thrillers esperados dele por insistência na sua incapacidade como roteirista, julgando negativamente os passos mais ousados que dava naquele momento. Se de início foi um cineasta que chamou muita atenção por revitalizar (como ninguém do seu tempo) os gêneros pelo qual transitou, mais tarde tinha chegado a uma fase em que nem tentava mais se inserir nos moldes de construção dos filmes de gênero que esperavam dele, mantendo de uma determinada tradição seu núcleo temático, mas desenvolvendo esses temas de maneira totalmente peculiar, da roteirização à realização, integrando a isso os detalhes de construção de todos os colaboradores.

Acontece que, logo após, Shyamalan faz seu primeiro filme adaptado de outro texto (aparentemente, já dando ouvidos a quem não deveria)… Foi outro desastre crítico e comercial, mas que, pra mim, significou ainda alguns passos além dos filmes que representavam a mais brilhante filmografia da década anterior. E dali em diante, Shyamalan começou a dar alguns passos atrás em termos de produção, de prestígio, e foi se estabelecer como grande autor de pequenos thrillers, sempre de baixo orçamento e com equipes muito alternativas às quais tinha se acostumado. Ele encontrou um nicho onde ainda havia demanda pras histórias que se interessava em desenvolver, e se firmou nele. Todos os seus filmes desde então foram sucessos comerciais e em grande parte de crítica, houve até uma certa reabilitação da reputação de filmes que eram antes esculachados. Mas a sensação que ficou é que Shyamalan e seu novo público admirador tinham capado grande parte do potencial de sua obra, porque ele havia suspostamente encontrado seu caminho apenas agora, como diretor especialista do nicho, e não como um autor-estrela de produções de gênero pretensiosas e de grande orçamento (um sub-Spielberg, como muitos diziam).

O que sobrou disso tudo? Shyamalan desistiu da ideia de ser um produtor das Night Chronicles (série de longas que escreveria o argumento e produziria para cineastas iniciantes, sem grandes pretensões) e resolveu virar o completo autor delas. Portanto já vai pro seu quinto “little thriller”, depois de um que, independente de erros e acertos, fugiu muito de elementos que eram comuns a sua filmografia, e apresentou bons desafios em termos de realização e até de narração. Batem à Porta já sai em desvantagem por repetir muitos dos elementos que seriam esperados de um filme “M. Night Shyamalan’s” lá de 2004, e fica ainda pior quando, na conclusão, parece que foi comissionado por um estúdio para condensar várias das imagens, vários dos temas, várias das cenas que já foram levadas muito mais a fundo em qualquer um dos filmes que criaram essa expectativa em 2004. O que temos é uma adaptação de um livro de péssima premissa, daqueles que parecem escritos para virarem filmes, corroteirizado a seis mãos, e tratado como nada mais que um exercício estilístico pelo diretor, que parece ter abandonado um pouco da esperança em despertar algo profundo através das suas histórias. Em 2006 ele se entregava ao ridículo para dizer algo assim; em 2023 um personagem repete a ideia e ela parece nada mais que um sonho distante, uma memória que pode ter significado algo profundo no passado, mas parece não encontrar um futuro no mundo lá fora.

Portanto, o que mais me toca nesse filme, num primeiro contato, é o quanto o mundo do Shyamalan é agora um mundo composto só de mitos e metáforas, quanto o mundo lá fora é nada mais que uma janela para narrativas confusas sobre desastres na TV, como seus heróis de outrora são agora os vilões, e o quanto a revisão, a busca de reconciliação, a religião, que antes redimia os personagens, agora parece condená-los. Shyamalan parece, no fim, ter assumido que falhou na interlocução com seus filmes mais ambiciosos, e agora se contenta em repetir as palavras (que parecem condensadas por escritores medíocres) de um ponto de vista pessimista, isolacionista, até cínico. Desde A Visita o diretor parece ter iniciado essa caminhada, e chegou a um ponto limite com Vidro. Essas tensões alimentavam os filmes, mas agora tudo é vomitado discursivamente, erro que o Shyamalan não tinha cometido até o terrível final de Tempo, e parece que o interesse profundo nos personagens se dissipou, que o contato com a realidade foi perdido, e que ao seu cinema restou apenas um excepcional comando de estilo. 

Muito pior que um filme ruim, Batem à Porta é um filme sem ambição.

Christofer Pallu